João França - Um Escritor Madeirense
A Direção Regional dos Arquivos, das Bibliotecas e do Livro convida-o a explorar a exposição virtual JOÃO FRANÇA. Um Escritor Madeirense, dedicada à vida e obra de um dos nomes marcantes da literatura e cultura da Madeira. Esta exposição, dá a conhecer o espólio arquivístico e bibliográfico de João França — escritor, dramaturgo e jornalista natural da Madeira. O seu acervo, gentilmente doado pela família ao Arquivo e Biblioteca da Madeira entre 2016 e 2023, revela a riqueza e diversidade de uma obra que atravessa a ficção, a poesia e o teatro. Gostaríamos de agradecer à família de João França, em especial à memória do Sr. Ivo Sinfrónio Martins, sobrinho do escritor, que teve a responsabilidade da custódia deste fundo e que, pela sua perseverança, conseguiu reunir, organizar e garantir a preservação para memória futura do espólio de seu ilustre tio através da doação ao Arquivo e Biblioteca da Madeira.
Exposição:
"Ser livre é coisa nossa, está connosco. Mesmo algemado, um Anarquista é livre."
“Falar de João França, meu Tio, torna-se mais difícil, e receio ter de repetir o que os seus críticos tão bem disseram. A minha preocupação, após a sua morte, foi prometer a mim mesmo assumir a continuação da divulgação da sua Vida e Obra. Felizmente que tenho encontrado as pessoas e instituições certas, com resultados magníficos: Edição de dois livros – “Uma Família Madeirense” (romance já esgotado) e “ Cântico da Terra Ilhoa” (poesia), e a reedição do romance “ A Ilha e o Tempo”. Para terminar, para já, a minha missão, falta-me procurar uma editora para o romance “Uma Tragédia Portuguesa” e três novos livros, sobre espionagem, uma “experiência nova” como classificou o Tio. Como dramaturgo, iniciou-se muito cedo (18 anos) escreveu pequenas peças de teatro, das quais também fazia parte como actor. Posteriormente, já em Lisboa, desde 1938 apresentou algumas peças radiofónicas em várias estações. Já com grande sucesso a peça “José do Telhado” foi exibida durante 4 meses, em Lisboa e no Porto, pela Companhia Estevão Amarante. Em 1970 ganhou o prémio Maria Matos com sua peça “Um Mundo À Parte”. Para além dessas peças, muitas outras ficaram adormecidas na gaveta, durante muitos anos, até que surgiu a milogrosa oportunidade de uma editora lhe dar vida, englobando num só volume todas as 14 peças de teatro, da sua autoria. Sobre a sua vida profissional, cultural e política pouco sei. Nas suas raras visitas à Ilha, sempre tive uma boa relação familiar e normal. Através dos seus críticos e amigos tive conhecimento que na sua juventude fez parte do <sindicalismo-anarquista> e que por um bambúrrio de sorte, livrou-se da PIDE, com a preciosa ajuda do amigo, Dr. Elmano Viera, que o internou no Hospício do Funchal. Peço a Deus que me dê força e saúde, para poder publicar a sua restante obra e cumprir a minha promessa velada, no caminho da sua última morada.” Ivo Martins. 27 de Maio de 2016
BIOGRAFIA
João França (1908–1996) foi escritor, dramaturgo, poeta e jornalista madeirense, cuja obra atravessa a ficção, o teatro, a poesia e o jornalismo. Destacou-se como jornalista, poeta, romancista, teatrólogo e dramaturgo. Nasceu na freguesia da Sé, Funchal, em 23 de junho de 1908, sendo o terceiro filho de Belchior França da Câmara e Maria José Pacheco de França. Revelou desde cedo talento criativo e vocação para o jornalismo. Em criança escrevia pequenos “jornalinhos” manuscritos e, no Liceu Jaime Moniz, aprofundou o gosto pela escrita, criando laços com colegas que viriam a fundar o jornal humorístico Re-nhau-nhau. Iniciou a carreira jornalística no Funchal, colaborando com diversos jornais e revistas madeirenses, entre eles, destaca-se O Povo, Independente, A Batalha, Diário da Madeira, Comércio do Funchal, Ilha, Re-nhau-nhau, Eco do Funchal . Entre 1924 e 1930, dedicou-se também ao teatro, onde foi ator, encenador, diretor de cena e autor na Sociedade dos Guerrilhas, alcançando sucesso com peças como Amor sem Deus e Mimi. Chegou ainda a levar o teatro madeirense em digressão aos Açores, sem nunca interromper a sua produção literária e jornalística. Em 1931, no contexto das lutas pela democracia na Madeira, João França foi perseguido e obrigado a deixar o Funchal. Graças à ajuda do Dr. Elmano Vieira conseguiu escapar à prisão, destino que atingiu outros seus companheiros, como Agapito Camacho e Ivo do Re-nhau-nhau, condenados a nove anos em Caxias. “(...) livrei-me da PIDE por um bambúrrio da sorte. Devo-o ao meu saudoso amigo e mestre Dr. Elmano Vieira. De um dia para outro meteu-me no Hospício onde permaneci enquanto durou a “limpeza” dos “protestantes” do Funchal. Mesmo depois de ter saído daquele Hospital andei a ser vigiado (...) as mesmas sortes não tiveram os meus amigos Agapito Camacho que era subdiretor do Banco Ultramarino, no Funchal, e o Ivo do Re-nhau-nhau”, que foram presos e condenados a nove anos de prisão em Caxias .” Aos 30 anos, João França fixou-se em Lisboa, onde prosseguiu a carreira jornalística em jornais como A Noite, Jornal da Tarde e, a partir de 1940, em O Século. Nos anos 40, o seu trabalho como dramaturgo é reconhecido em Lisboa com a exibição de Zé do Telhado, teatro musicado, do género opereta. Como o próprio diz: “ O êxito de “O Zé do Telhado”, em 1944, em Lisboa, foi decisivo para o lançamento do meu nome e obrigar-me a conhecer a vida dos bastidores de teatro ligeiro de alto nível. Aí, conheci e privei com gente de renome, como Teresa Gomes, Laura Alvers, Estêvão Amarante. De tais conhecimentos, viria a resultar o meu mais longo trabalho literário: “Romance de uma Corista”. A partir dos 45 anos, João França iniciou a carreira literária com contos e romances, destacando-se Ribeira Brava (1953), Romance de uma Corista (1956), Histórias Cínicas, e O Drama do Bobo (1964). A década de 70 revelou-se particularmente criativa, com várias peças, um romance e crónicas, destacando-se A Ilha e o Tempo, Há Sol nas Minhas Mãos, O Emigrante e Um Mundo à Parte, esta última premiada com o Prémio Maria Matos, mas censurada pela PIDE. Em 1985, João França publicou o romance histórico António e Isabel do Arco da Calheta. Continuou a escrever até ao fim da vida, com obras como Poema Ilhéu (1994) e O Prisioneiro do Ilhéu (1995). Faleceu em Lisboa em 1996, aos 88 anos, deixando um valioso legado literário e jornalístico.
A OBRA DE JOÃO FRANÇA
João França explorou vários géneros literários, incluindo o romance histórico, criando obras com o desafio de abordar questões sociais, culturais ou políticas, e questionando toda uma diversidade de temas como o papel da mulher na sociedade ou a emigração. João França não foi apenas um homem de letras, mas um homem de ideias e ações, cuja paixão pela escrita e pelo teatro permaneceu intacta ao longo da sua vida. A escrita de João França reflete uma vida dedicada à literatura e ao teatro, sempre com a Madeira como fonte de inspiração. NA PROSA / O FICCIONISTA E POETA A sua primeira obra em prosa, Ribeira Brava (1953), reúne seis contos que retratam a realidade rural e as tradições insulares, tendo sido muito elogiada por nomes como Aquilino Ribeiro. Em 1956, alcançou grande sucesso com Romance de uma Corista, que foi um sucesso à época, com uma tiragem de cerca de três mil exemplares vendidos em menos de um mês. Seguido por Histórias Cínicas (1958), obra com oito novelas, de entre as quais se destaca, Os profetas do Porto Santo, onde a sátira social se faz sentir de forma subtil. Em 1972, publica A Ilha e o Tempo, um romance de protesto que reflete as tensões sociais da Madeira, considerado pelo escritor Horácio Bento de Gouveia como uma das obras mais significativas da literatura insular. Outras publicações, como Mar e Céu por Companheiros (1979), António e Isabel do Arco da Calheta (1985) ou Poema Ilhéu (1993), revelam a sua paixão pela terra natal, pelas suas histórias e pelas suas gentes. NO TEATRO / O DRAMATURGO João França iniciou-se ainda jovem no Funchal, participando em peças amadoras de grande êxito, como Mimi, O Regenerado e Amor Sem Deus. Em 1944, estreia-se em Lisboa com a opereta Zé do Telhado, um êxito de público que permaneceu seis meses em cena no Teatro Avenida. Mais tarde, consolidou o seu lugar como dramaturgo com peças como O Drama do Bobo (1964) e Há Sol nas Minhas Mãos (1966), esta última censurada pelo regime salazarista. Em 1970, a peça Um Mundo à Parte foi distinguida com o Prémio Maria Matos, mas também alvo da censura da PIDE. Nos anos seguintes, obras como O Emigrante (1978) abordaram de forma sensível os dilemas sociais e a experiência da emigração madeirense, sendo representada pelo Teatro Experimental do Funchal. [Saber mais] Após a sua morte, vieram a público textos inéditos, entre eles Baltasar Dias (2003), Cântico da Terra Ilhoa: poesia (2008), Camões Pequeno (2014), e a coletânea Dramaturgia de João França (2016), que reúne catorze peças e confirma a vitalidade da sua criação teatral. Através da investigação do seu espólio arquivístico, destacamos uma trilogia dedicada ao universo da espionagem, até agora desconhecida do público. Fazem parte do seu arquivo as seguintes obras inéditas: Matéria Escaldante - O Estranho caso de Charles Wade , Um Iate no Tejo, e Um Abraço para o João. Pela sua riqueza, diversidade e originalidade, este conjunto de obras literárias espelham a vida e obra de João França. sendo, por isso, um relevante legado no campo do património cultural e literário único da literatura portuguesa do século XX, que merece ser divulgado e estudado.
BIBLIOTECA E ARQUIVO
BIBLIOTECA A biblioteca de João França, doada à DRABL, é composta por 1544 livros e seis títulos de publicações periódicas, datados entre 1862 e 1993. Reflecte os seus interesses pessoais, com destaque para a literatura portuguesa, estrangeira e madeirense, bem como para o teatro. Inclui obras de autores como Laurence Durrell, Camilo Castelo Branco e Horácio Bento de Gouveia, algumas com dedicatórias e anotações manuscritas. João França conservou cerca de 300 crónicas de sua autoria, publicadas em jornais regionais e nacionais, abordando temas da sociedade portuguesa e da cultura madeirense. Paralelamente, reuniu aproximadamente 3500 recortes de imprensa sobre diversos temas, especialmente política internacional. Estes recortes foram posteriormente organizados e descritos segundo as normas internacionais ISAD(G). ARQUIVO O arquivo pessoal de João França, com datas extremas entre 1908 e 2010, reúne, maioritariamente, documentos resultantes da sua actividade como jornalista e escritor. Composto por 17 caixas, 97 capilhas, 416 envelopes e 66 fotografias, apresenta uma significativa diversidade documental, incluindo textos literários e jornalísticos, correspondência, recortes de imprensa, documentos de identificação e registos fotográficos. A documentação encontra-se organizada em quatro secções principais: A – Documentos Pessoais: Correspondência com familiares e amigos, documentos de identificação, registos legais e memórias de viagens. B – Actividade Profissional: Textos publicados e inéditos, rascunhos, recortes de imprensa e correspondência com editores, jornalistas e leitores. C – Produção Literária: Obras originais (romances, contos, poesia, teatro), anotações, provas tipográficas e comunicações com entidades culturais e editoras. D – Fotografias: 66 imagens que retratam momentos pessoais e profissionais, incluindo retratos com dedicatórias de figuras públicas como Beatriz Costa, Amália Rodrigues, Estevão Amarante e Laura Alves. A datação das fotografias foi estabelecida com base em inscrições manuscritas e em comparação com outras fontes documentais.

A organização desta exposição virtual resulta de uma seleção criteriosa realizada a partir da exposição João França. Um Escritor Madeirense. Importa referir que a exposição física esteve patente ao público entre 2 de julho e 31 de outubro de 2025, sob a responsabilidade da Direção Regional dos Arquivos, das Bibliotecas e do Livro (DRABL), através da Direção de Serviços de Gestão e Tratamento de Arquivos e da Direção de Serviços de Gestão e Tratamento de Bibliotecas. 

Esta versão virtual dá continuidade ao trabalho de valorização do património arquivístico e bibliográfico regional, permitindo ampliar o acesso ao legado literário e cultural de João França, alcançando novos públicos e promovendo diferentes formas de fruição. Embora apenas uma parte da sua vasta produção esteja aqui representada, procurámos oferecer uma visão clara da riqueza documental e bibliográfica do autor, bem como da relevância cultural da sua obra.

O seu espólio representa, assim, uma fonte imprescindível para investigadores das áreas da literatura, do teatro, da história da cultura e mentalidade madeirense.
 

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