Epidemias na Madeira
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Apresentação
Apresentam-se nesta proposta as epidemias que marcaram a História da Madeira até ao século XX: Peste (1521-1538), Cólera morbus (1856), Peste bubónica (1905) e Cólera (1910). É descrita a conjuntura em que cada uma delas surgiu, incluindo informações clínicas, o (possível) trajeto das cadeias de transmissão, as medidas de combate às epidemias, notas da imprensa regional, curiosidades e algumas imagens. Estão presentes apenas informações referentes aos surtos epidémicos que não tiveram causas locais.
Introdução
Ao longo dos tempos vários surtos assolaram a ilha. Em 1521, surgiu o 1.º surto de peste. Entre o século XIX e XX ocorreram dois contágios de cólera, intercalados pelas epidemias endémicas como a varíola, sarampo, tosse convulsa, difteria, gastrites, gripes e disenterias. Estas doenças, associadas às calamidades sociais -alcoolismo, insalubridade, miséria e fome – marcaram presença constante na História da Madeira e contribuíram para um aumento significativo das taxas de mortalidade. Como se não bastasse, uma terceira epidemia emergiu entre os dois surtos de cólera – a peste na variante bubónica.
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1521-1538 Peste
O “porto” do Funchal ocupou, desde sempre, um lugar de destaque nas rotas marítimas, graças à posição geográfica da Madeira. Se por um lado, a movimentação da baía contribuía para o desenvolvimento e prosperidade da ilha, por outro, deixava-a vulnerável à rápida contaminação por doenças, que provocavam um grande número de vítimas. Em 1521, os primeiros casos de peste assinalaram-se a 17 de março. A peste deflagrou e provocou uma elevada taxa de mortalidade entre os habitantes da cidade (cerca de 30 mortes diárias). Nestas circunstâncias, a 08 de junho, os oficiais da Câmara do Funchal, reunidos em vereação, procederam à eleição do protetor da cidade. Foram a sorteio quinze nomes santos e ao selecionado erguer-se-ia, também, uma igreja. O eleito foi São Tiago Menor, dando-se, assim, início ao seu culto.
A 21 de julho realizou-se primeira procissão a São Tiago Menor com saída da Sé até ao lugar onde se construiria o templo. Porém, as obras da igreja foram interrompidas por falta de dinheiro. Apesar da devoção ao Santo e do emprego de medidas profiláticas severas, a peste não se erradicava: «Como algum tempo depois volvesse peste, o capitão do Funchal, oficiais da Câmara, mesteres, cidadãos, povo, deão e o cabido com toda a clerezia reuniram-se, no coro da Sé, em 24 de Janeiro de 1523, e decidiram acabar a obra da “casa” do protector e defensor da cidade. Prometeram ainda, “de para sempre em cada um ano deste mundo”, venerarem e festejarem o glorioso Santo no primeiro dia de Maio com procissão solene que sairia da Catedral e dirigir-se-ia à Igreja de São Tiago.» [1] Na procissão de 01 maio de 1538, a Câmara permitiu que pessoas doentes e sãs participassem lado a lado. Na Igreja de São Tiago, foram colocadas, no altar, as varas dos guardas-mores da saúde [2] , com a finalidade de pedir a Deus que fizesse no plano divino aquilo que os oficiais faziam no plano terreno. Aparentemente, os casos de peste diminuíram até desaparecerem. Faleceram mais de 1. 600 pessoas. [1] VERÍSSIMO, Nelson, 2019, São Tiago, livrai-nos de pestes, disponível em https://funchalnoticias.net/2019/05/01/sao-tiago-livrai-nos-de-pestes/ [2] guarda-mor de saúde – médico encarregado da polícia sanitária num porto de mar. in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
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1856-1857 Cólera-Morbus
Numa época em que a Madeira atravessava uma grave crise económica no sector agrícola, agravada por desastres naturais, não dispunha de saneamento básico, nem de cuidados de saúde ou de higiene mínimos, as doenças sazonais, endémicas e epidémicas encontravam o meio ideal para propagar-se, sobretudo nas camadas sociais onde prevalecia a miséria. A cadeia de transmissão das epidemias iniciava-se, a partir do momento em que os tripulantes e/ou passageiros (e respetivas bagagens), todos condutores de germes, estabeleciam contacto local. Foi o que aconteceu em 1856. A Madeira foi contaminada por uma cólera de caráter fulminante, que terá sido introduzida aquando do desembarque do Batalhão de Infantaria n.º 1, vindo de uma zona infetada de Lisboa.
CADEIA DE TRANSMISSÃO 28 junho 1856 – Desembarque do Batalhão de Infantaria n.º 1 de Lisboa. 4 julho – Surgiram os primeiros casos de cólera no meio militar. 7 julho – Primeira vítima local – barqueiro que ajudou no transporte dos militares e respetivas bagagens. Em menos de um mês a cólera alastrou-se por toda a ilha. N.º de vítimas: 7.041 – 10.000 INFORMAÇÃO ADICIONAL De 31-07-1856 a 01-08-1856 – Sepultaram-se mais de 300 cadáveres no Cemitério das Angústias (atual Parque Santa Catarina)
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Imprensa Regional
A imprensa regional teve um papel significativo, não só no que diz respeito à divulgação de medidas preventivas e terapêuticas de combate à epidemia, mas também nos alertas lançados às autoridades para empreender melhorias no estado sanitário da região e ainda na divulgação das decisões tomadas em prol dos mais necessitados.
Algumas notícias publicadas nos jornais da época
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1905 Peste Bubónica
Entre os dois surtos de cólera (1856 e 1910) houve, em 1905-1906, um contágio de “febres infecciosas”, designação oficial atribuída pelas autoridades civis à epidemia que se alastrava pelo Funchal. O combate à “peste bubónica” foi envolvido por contornos políticos. O Governador Civil (substituto), Dr. Pedro José Lomelino, tomou decisões imediatas com o objetivo de minimizar a difusão da epidemia na Madeira. Priorizou o isolamento dos contagiados no Lazareto e manteve prudência na divulgação das circunstâncias sanitárias. Desta forma, continha um alvoroço geral e a Região precavia-se de consequências iminentes, advindas do encerramento do porto do Funchal, caso se confirmasse e oficializasse a existência, não de doenças” infecciosas”, mas de “Peste”. Curiosamente, anos antes, a cidade do Porto tinha agido com a mesma cautela.
A oposição política parecia ter encontrado uma oportunidade de iniciar uma controvérsia à volta dos internamentos e da escassez de informações gerais. As medidas sanitárias implementadas no hospital geraram muito medo e muita revolta na população, que se deixava persuadir por todo o tipo de rumores. Não demorou muito para que o povo começasse a ver o Hospital como um necrotério e decidisse assaltá-lo para libertar os “presos”. O Dr. Balbino Rego, responsável pelos doentes do Lazareto, e o Governador Civil foram incriminados por pretenderem angariar, indevidamente, fundos monetários do governo central, ao tratarem uma doença que não existia. CADEIA DE TRANSMISSÃO 28 junho 1899 – O médico investigador Ricardo Jorge reafirma a existência de peste bubónica na cidade do Porto. 1904 (outono) – Um carregamento de louça empalhada, vinda do Porto, chega ao Funchal. A palha foi aproveitada para fazer colchões de dois criados do Sr. Leopoldo Cabral Júnior, negociante. 28 de novembro – Na casa do negociante nove pessoas da família, incluindo os criados, estavam doentes. Foram transportados para o Lazareto. 29 de novembro – Entram mais duas pessoas e duas crianças no Hospital de Isolamento. (…) 1905-1906 n.º de vítimas: ? Algumas notícias publicadas nos jornais da época
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Literatura de Cordel
O ambiente político favorável da altura, aliado às crendices e especulações do povo, fez reaparecer, na categoria da literatura de cordel, folhetos com versos satíricos, acompanhados por algumas caricaturas. Neles se narrava a perspetiva popular sobre a peste bubónica na Madeira, e se ridicularizam as autoridades administrativas e sanitárias.
FOLHETOS DE POESIA POPULAR A peste Balbínica – pseudónimo “Engeitado do Povo” A Panelinha da peste e de um Mederoso (história em verso) de Luciano das Ratas Os primos do Dr. Rego – 4000 contos de reis para o saneamento da Madeira A Peste No Funchal – versos do feiticeiro A tragédia do Lazareto por D. Maria Amanda Cabral Auto da Peste O sonho de um machiqueiro história da peste gananciosa da Ilha de Madeira A peste bubónica (?) e suas consequências Apontamentos de António Pedro Gomes
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1910 Cólera
A prova bacteriológica que faltava para confirmar o reaparecimento de um novo surto de cólera na Madeira, em 1910, foi constatada pelo Dr. Carlos França e os seus auxiliares. Destacado pelo Ministro do Interior para assumir o cargo de Diretor dos Serviços Sanitários da Madeira, durante a pandemia, o Dr. França e a sua equipa estabeleceram uma organização sanitária modelar que previa dotar a cidade e a população de meios de combate e prevenção à epidemia e de defesa sanitária[1].
Tendo-se revelado eficazes, o conjunto de medidas aplicadas explicariam o número relativamente baixo de óbitos e a rápida erradicação da cólera. Os serviços sanitários, contudo, tiveram de enfrentar as mesmas circunstâncias sociais do passado: obstinação e desconfiança do povo no cumprimento das regras sanitárias, a sonegação de casos, a descrença na epidemia, vendo nela uma exploração política. Faleceram 556 habitantes. [1] O Plano de Organização Sanitária foi publicado em folheto com a designação de: Serviços Sanitários do Funchal – Medidas de combate contra a cholera na Madeira, e distribuído em diferentes zonas infetadas. CADEIA DE TRANSMISSÃO 05 de setembro – Paquete Araguaya chega ao Funchal. 26-27 setembro – Contágio de uma criada, vizinha do homem que recebia as roupas sujas dos vapores que chegavam ao Funchal. As roupas eram distribuídas pelas lavadeiras. Eram lavadas na ribeira que abastecia os sítios onde se manifestaram os primeiros casos. Os bomboteiros que negociavam dentro dos barcos eram também “portadores” da bactéria. 20 de outubro – Leonilda de Andrade (Sítio do Paiol) de 18 anos queixou-se de dores de cabeça, calafrios e vómitos no trabalho. 23 de outubro – adoecia a irmã, Felisberta d’ Andrade, com os mesmos sintomas de Leonilda. Três autoridades sanitárias deslocaram-se à casa daquela família, a fim de diagnosticar a doença. Depois do Paiol, registaram-se casos na Rua D. Imperatriz Dona Amélia, que depois se espalharam pelo Funchal, e Câmara de Lobos, Machico, Porto Santo, Ponta de Sol, Santa Cruz e Calheta. N.º vítimas: 1750 NOTA: 06 de fevereiro de 1911 – Registou-se o último caso de cólera. IMPRENSA REGIONAL
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ALMEIDA, Maria Antónia Pires, 2012, As epidemias nas notícias em Portugal: cólera, peste, tifo, gripe e varíola, 1854-1918, disponível em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/2serie/3/014_varia.pdf, consultado a 20-01-2021.
 

ALMEIDA, Maria Antónia Pires, 2013, Saúde Pública e Higiénica na imprensa diária em anos de epidemias – 1854-1918, Lisboa, Colibri.
 

CASTANHO, Vasco António Pinto, 2018, Surtos Epidémicos: A Evolução da Comunicação Ao Longo dos Tempos, Dissertação, Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, disponível em https://recil.grupolusofona.pt/ consultado a 13-01-2021.
 

BARROS, António Augusto Salgado, s/d, Lisboa na confluência das rotas comerciais: efeitos na saúde pública (séculos XV a XVII), disponível em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/fotos/editor2/Cadernos/2serie/3/014_varia.pdf, consultado a 20-01-2021.
 

FERREIRA, Bettencourt, 1911, A cólera na Madeira (notas ligeiras), Porto, Typ. a vapor da Encyclopedia Portugueza.
 

FORTES, Carlos Maciel Ribeiro, 1919, Peste Bubónica – Etiologia e Prophylaxia Segundo as Modernas Acquisições, Dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Porto, Imprenza Portugueza, disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/16804, consultado a 13-01-2021.
 

FRANÇA, Carlos, 1911, A epidemia Cholerica da Madeira 1910-1911 Relatório apresentado ao Ministério do Interior por Carlos França, Capitão médico do exército Diretor dos Serviços Sanitários da Madeira durante a epidemia, Lisboa, Typographia Universal.
 

JESUS, Carla Sónia Rebelo, Carvão Teixeira, 2012, Núcleo Museológico das Tecnologias de Saúde da RAM, Dissertação de Mestrado. Madeira, Universidade da Madeira, disponível em https://digituma.uma.pt/handle/10400.13/577, consultado a 27-01-2021.
 

MORAIS, J. A. David de, 2011, «Surtos epidémicos ocorridos em Portugal na primeira metade do século XX: abordagem histórico-epidemiológica. I – Peste bubónica», in Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, volume 18, n.º 4, out.|dez. 2011, pp. 259 – 266, disponível em https://www.spmi.pt/revista/vol18/vol18_n4_2011_259_266.pdf, consultado a 23-02-2021.
 

PÃO, Nélio, 2015, «A Epidemia de Cólera de 1856 na Madeira: Tratamentos, Medidas Preventivas, Preocupações Sanitárias e Cuidados com o Corpo», in Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, n.º 7, pp. 323-346.
 

PONTES, David, 2012, O cerco da peste no Porto. Cidade, imprensa e saúde pública na crise sanitária de 1899, Porto, Universidade do Porto, Faculdade de Letras [Tese de Mestrado], disponível em https://sigarra.up.pt/fcup/pt/pub_geral.pub_view?pi_pub_base_id=28279, consultado a 25-02-2021.
 

REGO, António Balbino, 1907, Na ilha da Madeira – Hospital Improvisado, Porto, Typographia A Vapor.
 

REGO, António Balbino, 1900, Pneumonia pestosa (A Peste Bubónica no Porto-1899-1900) dissertação Inaugural apresentada à Escola Médico Cirúrgica do Porto, por António Balbino Rego, interno do Hospital Geral de Santo António e Alumno Assistente do Laboratório Municipal de Saúde e Higiene.
 

Revista Arquivo Histórico da Madeira, vol. XIX, 1990, doc. n.º 38.
 

SOUSA, Ana Madalena Trigo, 2014, «Poder Municipal e Religiosidade na Madeira de Antigo Regime: O imposto de São Tiago Menor, no Funchal», in Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, n.º 6, pp. 103-118.
 

VERÍSSIMO, Nelson, 2019, São Tiago, Livrai-nos das pestes, disponível em https://funchalnoticias.net/2019/05/01/sao-tiago-livrai-nos-de-pestes/, consultado em 2021-01-13.
 

VIEIRA, Samuel Osvaldo Freitas, 2016, O Messianismo na Ilha da Madeira nos séculos XIX e XX, Dissertação de Mestrado, Lisboa, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, disponível em https://www.iscte-iul.pt/tese/5802, consultado a 13-01-2021.

 

Jornais

A Discussão – 2.º semestre 1856

A Ordem – 2.º semestre 1856

Brado D’Oeste – 2.º semestre 1910

Correio da Tarde -1º semestre de 1905 e de 1906

Diário do Comércio- 1º semestre de 1906

Diário Popular – 1.º semestre 1906

Heraldo da Madeira – 1º semestre 1906

O Clamor Público – 2.º semestre 1856

O Direito – 1º semestre 1906

Seminário Official- 2.º semestre 1856

Bibliografias Temáticas
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